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[GSK] Fantasia e realidade sob o olhar da consciência

Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa em 8 de março de 2019


[GSK abre a aula]


Isso não tem a ver com a aula, mas queria dar um spoiler de uma notícia que será divulgada no tempo certo. Saíram os resultados da nossa pesquisa com o Shabad Kriya. Assim como o Kirtan Kriya, que é um clássico nos compêndios e publicações médicas, o Shabad Kriya sempre foi anunciado pela tradição do Kundalini Yoga como uma ferramenta para melhorar a qualidade do sono e restaurar o sistema nervoso. Enquanto o Kirtan Kriya melhora a oxigenação cerebral e previne a destruição do cérebro precoce, o Shabad Kriya promove a restauração da bainha de mielina após estresse, trauma, dor profunda ou momentos contínuos de desestabilização. Esse kriya vem trazendo resultados impressionantes e extremamente animadores, e temos a perspectiva de que possa vir a compor os protocolos de estresse pós-traumático e ser indicado para pacientes com histórico de profundo desgaste psíquico e neurológico.


O trabalho da aula de hoje tem o seguinte título: “Para o lado esquerdo e direito do cérebro”. Falar da parte fisiológica desse trabalho é quase um clichê, pois todos conhecem as funções correspondentes ao hemisfério esquerdo e ao hemisfério direito do cérebro. No entanto, há uma abordagem do Kundalini Yoga e do Yogi Bhajan que considero imperdível e que mencionarei aqui, para que possam carregar isso nas aulas de vocês.


Entendemos o lado direito do cérebro como o lado criativo, imaginativo, aquele que nos ajuda a imaginar. O lado do sem forma. Yogi Bhajan dizia algo muito especial sobre o lado direito. Que ele é o lado com o qual fantasiamos e com o qual mentimos. É o lado da mentira. Não sei se sabem, mas o Yogi Bhajan sempre tratou a mentira como um arroto, um pum ou uma coceira, uma parte do meio humano e dessa existência, um hábito. Ele dizia que o hemisfério direito é aquele que, por tamanha capacidade de extrapolação, nos dá o direito à fantasia e o direito de acreditarmos nela a ponto dela se tornar uma mentira.


No clichê, o lado esquerdo é o lado matemático, concreto, racional. Yogi Bhajan confirmava isso, mas dizia que ele é, sobretudo, o lado que nos permite contrapor à fantasia, contrapor à mentira que acabamos de acreditar. Essa forma de ver a estrutura da psique, no seu paradoxo, é algo muito especial. Coloca a fantasia e a mentira dentro de um plano fisiológico, provável, e coloca no contraponto delas a necessidade de ancorar na realidade. Aqui está a aula de hoje.


Sabemos o quanto é difícil negar a fantasia. No momento em que uma determinada fantasia se torna realidade para nós, é muito difícil negar aquela fantasia. Por quê? Porque se aquela fantasia que erguemos se desconectar completamente da realidade, precisaremos sustentá-la de alguma maneira. Como, a essa altura, o argumento não vem mais da experiência do real, ele vem de uma coisa que no Kundalini Yoga chamamos de intriga mental. As intrigas mentais são elementos que extraímos da realidade, sem necessariamente manterem conexão com o real por um tempo maior. São como leituras que fazemos de uma dada realidade, leituras das quais nos apropriamos para que justifiquem a nossa fantasia.


Aqui está o problema do karma. Uma maneira bastante comum de nos afastarmos da realidade e acreditarmos nas extrações que fazemos dela é construir relações que, de alguma forma, compartilham as mesmas intrigas. Criamos um vínculo de relações apartadas, que consistem apenas em impressões da realidade. Constituímos uma fantasia que, por sua vez, irá se constituir em si: uma realidade dentro de uma realidade.


Romper isso com o hemisfério esquerdo implica em quê? Na perspectiva yóguica, o compromisso não é com as intrigas, mas com a realidade. O hemisfério esquerdo é aquele que desce na realidade das coisas e quer compreendê-la como ela é. Para fazer isso, nunca se pode estar sozinho. A realidade sendo apreendida por uma pessoa, por mais que ela queira ver a realidade, é somente a realidade apreendida por uma pessoa. É necessário contrapor nossa percepção da realidade com os outros, essa é justamente a beleza da dinâmica. Nunca isoladamente. Tanto para viver uma fantasia, que cria uma realidade dentro de uma realidade, quanto para experimentar a realidade, dura como ela é, não há como fazer sozinho. Precisamos sempre contrapor, pedir mais informação.


Yogi Bhajan dizia que há apenas um mecanismo que nos ajuda a negar a fantasia e a aproximar o máximo possível da realidade sem apartar aquilo que nos levou a fantasiar. Aquilo que nos levou a fantasiar tem uma razão de ser para nós, tem um peso. Em algum lugar estava ruim, estava difícil. Portanto, não queremos abrir mão daquilo. Mas podemos tentar romper a bolha dessa realidade. Só existe um mecanismo para fazer isso: assentarmos em valores. Em valores éticos, não morais. O que nos leva a viver uma bolha dentro de uma bolha é o apelo moral, normalmente hedonista – desejo de prazer. Se somos capazes de pegar aquele desejo de prazer e traduzi-lo de outras formas, baseados em nossos valores, somos, então, alguém que tenta caminhar o mais próximo possível daquilo que é ditado pela própria consciência, ponderado pelo prazer, regulado pela necessidade de fazer sentido. Isso é muito complexo e difícil, não é uma jornada fácil.


Quando damos vazão muito rapidamente a uma fantasia e nos vestimos daquela fantasia, nos tornamos imediatamente aquela fantasia, agregamos pouca experiência para fazer um contraponto. Por isso Yogi Bhajan dizia que se subimos muito e rápido demais, a queda é muito dolorosa. Construímos esse caminho com idas e vindas, gradualmente. Sobre esse tipo de experiência humana o Yogi Bhajan advertia: “se você serve ao momento, haverá queda, se você serve ao mestre, haverá elevação”. Uma das coisas que nunca podemos retirar da equação é a contradição, a polaridade e a nossa necessidade de satisfazer desejos. Somos humanos, sempre iremos lidar com esses aspectos. A história é como ponderamos isso em meio a tudo.


Não podemos ficar sem o lado direito do cérebro, que é a fantasia, uma vez que todo nosso destino será perseguido através de uma fantasia, de uma projeção, de um sonho. Não podemos abrir mão disso, mas também não podemos ser engolidos por isso. Não queremos ser expulsos da nossa consciência. Se exercitamos demasiadamente o lado direito do cérebro nas fantasias e nas intrigas mentais somos expulsos da consciência. Voltar é duro, porque o ser humano tem grande dificuldade de se render, de admitir erro. A menos que tenha sido treinado muito cedo a fazer isso. Pouca gente tem esse treino, pois as famílias não permitem. Ou elas punem severamente, ou elas protegem demais.


Kriya para o lado esquerdo e direito do cérebro, do Manual para o Proprietário do Corpo Humano


Quando um kriya nos permite entrar no espaço meditativo, esse espaço virá como algo concreto. Através desse portal da experiência meditativa podemos partir para uma última ação de integração com o todo, que se chama samadhi. É muito importante conhecer isso porque quando estivermos nas lutas entre fantasia e realidade, nas intrigas mentais – valores que puxam para um lugar, desejos que puxam para outro –, a experiência desse espaço nos ajudará a fazer escolhas.


Os budistas e todas as tradições dharmicas afirmam que existe uma causa para perdermos esse eixo natural, que é oscilar, mas sempre tender a fazer escolhas da consciência. Os budistas falam que a consciência não é uma ideia, é um compromisso, uma prática. O caminho da paz é o caminho da consciência. Seremos muito desafiados ao caminhar por aí, porque temos naturalmente um propulsor da fantasia e temos naturalmente um ancorador da realidade. Caminhamos visitando esses dois lados. A nossa maturidade acontece à medida em que vamos caminhando e nos confrontando, avaliando onde estamos, nos recolocando e fazendo determinados ajustes e determinadas escolhas.


Classicamente existe um recurso que possibilita ao ser humano realizar isso, que é ter filhos. Quando as pessoas têm filhos, eles servem como um alerta, já que ninguém gostaria de se tornar um exemplo muito negativo para seus filhos. Quando as pessoas não têm filhos, elas precisam imaginar que o outro é esse olhar para elas, o que é muito mais difícil. É mais difícil se comprometer quando não existe algo muito íntimo checando. O grande desafio que um budista assume, sendo ele celibatário, é justamente isso: uma vez que não terei um olhar ou um lembrete constante de que tenho que ser uma pessoa melhor para dar exemplo para o futuro, como faço? É um desafio enorme fazer isso no mundo, fora das cavernas.


Quando as tradições dharmicas não celibatárias entram em cena, entra em cena a possibilidade de haver um olhar muito íntimo que checa. Para nós, do Kundalini Yoga, que temos emprestado essa tradição do Sikh Dharma, como podemos fazer isso, sem necessariamente ter um olhar íntimo nos checando? Através de nosso aluno. Nosso filho é o nosso aluno. É ele que nos olha o tempo todo e é por ele que nos aprimoramos e corrigimos o nosso próprio curso.


Minha querida Pritpal Kaur dá um exemplo em que ela estava em Albuquerque para tomar um vôo e a companhia aérea aprontou com ela. Ela vinha dar um curso no Brasil e eles cancelaram o vôo. Ela estava prestes a perder todo o tipo de compostura e, quando conversava com o cara da companhia aérea, pensou: “E se tivesse um aluno me olhando, como eu agiria?”. Ela se recolocou e retomou o caminho da paz e da serenidade.


Existe um olhar que a consciência utiliza para ajudar a nos recolocarmos no prumo. O que mais nos tira desse prumo, desse balanço, desse pseudoequilíbrio, é o medo. A covardia é um elemento, o traço que mais nos impulsiona a correr para o lado hedonista e abandonar o compromisso da paz. Os budistas dizem que na raiz desse medo está o medo da morte. Qual morte? A morte de não ter prazer. Mais uma vez dizemos: “Uma vida sem prazer é muito ruim”. De fato é muito ruim, a vida não deveria ser vivida sem prazer. Como equilibrar isso, então? Trazendo para o compromisso da paz, para o compromisso da jornada na consciência, o prazer. No lugar de buscar no prazer a paz e a consciência. O prazer em si é o serviço ao momento.


Meditação com o Shabad Poota Mata Kee Asees


O medo dilacera o nosso tecido psíquico e essa meditação é um bálsamo porque é uma meditação passiva. Apenas permitimos que o shabad entre. Como filhos da mãe divina, imaginamos essa Deusa progenitora universal que deu vida a tudo. Essa origem entoa aos filhos Poota Mata Kee Asees.


Yogi Bhajan dizia que a Nossa Senhora de Guadalupe é a mãe divina na Era de Aquário. Quem esteve no Santuário da Nossa Senhora de Guadalupe pode imaginar. Para ele, essa é a figura feminina que cuidaria de todos na Era de Aquário. A entidade criativa a qual convencionamos chamar de Deus.


"May the long time sun shine upon you..."


[Transcrição: Arjan Jot Kaur]

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