top of page

Soltas Notas sobre Viagem à Índia (II)

por Sat Meher Singh


Continuamos em Dharamsala, acho que aqui ainda vai render mais algumas notas. Como já mencionei, o curso que fizemos recebeu o nome de “Do coração à radiância” (não é lindo?). A ambiência também ajudava: da janela da sala em que o curso foi ministrado dava para ver os Himalaias. Havia um magnetismo que atraía meu olhar para aquelas montanhas.


Todos ansiavam pelo dia seguinte em que fizemos nossa primeira caminhada pela trilha chamada “Triund”. Se subir morro ajudasse a pagar karma, posso garantir que somos homens santos! A subida fica cada vez mais íngreme até chegar ao ponto mais difícil: as 21 curvas finais. Pelo caminho, ultrapassamos e fomos ultrapassados por burrinhos que levavam nos lombos tudo quanto há. Tinha até botijão de gás! Me conectei com aqueles animais. Andando tão devagar, parecia que o mundo todo se espichava por aquele caminho e isso era tudo. Quantas vezes eles subiram e desceram por aqui? Quantas vezes ainda vão fazer isso? Parecia até que o silêncio se avolumava para ouvirmos mais os sinos que marcavam suas passagens. Um de nós disse muito acertadamente para colocarmos esses animais em nossas orações.


Wahe Guru! Chegamos ao topo, ufa! Os Himalaias surgiram imponentes. São os olhos que tateiam cada curva, cada detalhe. Aquela atração deu lugar à contemplação. Eu estava ali e isso era inacreditável ao mesmo tempo! Contemplando aquelas montanhas, eu me lembrei da música “Himalaias”, sugerida em algumas aulas de Kundalini Yoga. Com o meu inglês chinfrin, eu não sabia muito bem o sentido da letra, mas foi o que minha mente me entregou de presente naquele presente. Por sorte, tínhamos um celular com a música e uma pessoa bem disposta para ir traduzindo verso por verso! Dá para imaginar a experiência? Diante daquelas montanhas, estávamos ouvindo uma música inspirada por aquele cenário. Para vocês terem uma ideia, o refrão diz: “eu sou forte e sagrado como estas montanhas que vocês estão vendo”. Era a forma como meu ser estava se sentindo: sagrado e forte. É como todos nós temos o direito de nos sentir: sagrados e fortes, mesmo com os nossos erros e fraquezas.


A visita ao Templo Budista, em Dharamsala, me fez refletir sobre o sagrado. É comum experimentarmos a sacralidade de forma muito contemplativa e acreditarmos que o sagrado é uma instância a ser alcançada. Não. Penso que o sagrado é um espaço interno que nos habita, para nós termos a chance de também habitarmos nele. A geometria desse espaço deve ser mesmo divina, pois ele habita em nós para que nós habitemos nele. Doidêra!


Em Dharamsala, pude perceber que, mesmo diante da mais áspera realidade, ainda assim há espaço para que o sagrado se manifeste e, reforço, não poderia ser diferente, já que ele está dentro de nós e não fora de nós.

Cinco anos depois da Segunda Guerra Mundial, ou seja, em 1950, o governo Chinês invadiu o Tibet com o pretexto de libertar o país do imperialismo inglês. A invasão chinesa, pautada por uma ideologia comunista que repudiava qualquer manifestação espiritual, cometeu atrocidades indescritíveis no território tibetano, pequeno país em que o budismo habitava o povo e onde o povo habitava o budismo. O XIV Dalai Lama, considerado uma santidade no budismo, teve que tomar uma difícil decisão: se exilar para preservar sua vida e os ensinamentos. Ele, então, atravessou os Himalaias e se instalou em Dharamsala.


No templo budista que visitamos, há um museu em memória à (r)existência tibetana. Lá, me conectei com uma faceta cheia de cicatrizes do sagrado. Lembro-me vivamente de uma cena que certamente vai ficar nos meus olhos. Havia uma foto de uma comitiva de monges. Enquanto tentávamos reconhecer qual deles era o Dalai Lama, percebi uma movimentação do meu lado. Era uma velhinha, descendente tibetana, com as mãos espalmadas, fazendo reverências diante da foto. Repetidas vezes, ela trazia as mãos em frente ao rosto, na pose da prece, e as abria para a foto, balbuciando algumas palavras. Ficou claro para mim: ela estava diante de sua santidade, o Dalai Lama ainda jovem, sobre um cavalo, em uma imagem preto e branco, cujo cinza denotava ser mais dor do que cor. Essa velhinha se virou para nós e nos olhou. Bastou um instante do seu olhar para mergulharmos na verdade daquele sofrimento. Seus olhos estavam marejados e me faltam palavras para descreve-los.


Escrevi que o sagrado é um espaço habitante e habitável, mas vou acrescentar, o sagrado é uma força pulsante no ser humano. É um espaço vivo, em vida. O sagrado é a expressão máxima da coragem.


Observação: entre no site https://freetibet.org/dark e veja uma forma interessante de ajudar a causa tibetana. Há vários links por meio dos quais você pode fazer uma assinatura para corroborar com uma ação que pressiona determinadas autoridades chinesas a se manifestarem quanto ao paradeiro e/ou à condição dos presos políticos.


De Dharamsala, fomos para Amritsar, cidade de maioria sikh, onde fica o Golden Temple. Estávamos ansiosos por essa visita, porque sabíamos que seria o ponto alto do nosso Yatra. Realmente foi.


Estou tendo trabalho para escrever esta nota. Todas as anteriores fluíram tranquilamente em minha escrita. Esta não, está emperrada. Já fui e voltei diversas vezes. Tenho a sensação que mais apaguei do que escrevi (apaguei até o que não escrevi). Isso que seus olhos passam por cima, neste instante, é o edifício do texto pronto, mas posso garantir que, desde o engenheiro até os pedreiros, todos não sabiam ao certo por onde começar, o que fazer, que material usar, onde colocar os andaimes etc. etc.


Vou começar pelo que me parece mais enrolado: descrever o Golden Temple.


Para começar, suspeito que esse templo não seja simplesmente um lugar. Claro, podemos calcular sua longitude e latitude, podemos encontrá-lo no Mapas do Google, mas não é isso que nos faz situar esse espaço. Ele fica além e aquém de qualquer definição. Mesmo se usasse vários dos meus recursos prosaicos, na tentativa de descrevê-lo, ainda assim sinto que o Golden Temple (Templo Dourado) não poderia ser tangível à descrição. Sabem por que? Porque aquele espaço não serve para ser visitado somente, serve mais para ser experimentado! Ele é uma experiência inominável do ser, na fusão entre o ser substantivo e o ser verbo. Passar pelo Templo Dourado é revolucionar a existência. É morrer, nascer e permanecer em todos os tempos ao mesmo tempo. É entregar esse texto a vocês com a convicção de que o desconhecido, em seu silêncio, também tem muito a dizer.


[Para continuar lendo toda a série, acesse: Parte I, Parte III, Parte IV]



Receba nossas atualizações

Categorias
Posts Recentes
Arquivo
Tags
bottom of page