[GSK] Manter o espírito elevado
Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa em 2 de setembro de 2016
[GSK abre a aula]
A aula que escolhi hoje para fazermos é muito especial. Estou trabalhando com vocês esse semestre o livro Kriya, que é um livro só de kriyas e meditações. Hoje nós vamos trabalhar “For Keep Up Spirit”, para manter o espírito presente. Na verdade eu peguei uma carona: é a aula da Kirn Jot dessa semana e eu achei muito apropriada para o momento. Eu não me esqueci da história que eu comecei a contar para vocês há duas semanas do Krishnamurti, que fiquei de terminar. Eu sei que vocês gostam de história, e eu não gosto de contar, mas eu conto assim mesmo. Mas ela tem um alinhamento muito grande com o momento nosso. Duas semanas atrás foi comentado sobre o Krishnamurti, a partir da exposição do Mondrian, que era da Sociedade Teosófica e que eu queria falar um pouquinho sobre isso.
No final do século XIX e início do século XX, a gente estava vivendo um caos, a Primeira Guerra Mundial tinha acontecido e a fuga de valores, fuga de princípios, uma sociedade corroída por uma elite aristocrática. E aparecem duas pessoas naquele universo caótico que coagularam em si dois momentos que mudaram a história da humanidade.
Uma delas é um padre chamado Rasputin, da Sibéria, que fazia milagres e cuidava do filho da imperatriz Alexandra Romanov. Vocês podem imaginar uma mãe que tem um filho hemofílico, nenhum médico da época sabia o que era hemofilia, e esse menino só desinchava e só saída do coma com o Rasputin. Então o Rasputin virou tudo para essa mãe. Acontece que ele era extremamente manipulador e a favor de uma monarquia absolutista, quando a Rússia daquela época já estava em transição para uma monarquia parlamentarista, como a Inglaterra. E Rasputin foi contra. Então ele falava e a família Romanov abaixava a cabeça. Acontece que a família real não consegue ouvir os apelos do povo russo que queria realmente mudança e abre espaço para a revolução de 1917. Os historiadores chamam de absurda a revolução de 1917, por ela ter sido praticamente promovida por um padre siberiano. Não é nada absurdo, é a realidade. Isso é realidade. Provavelmente se ele não tivesse influenciado a família Romanov, eles teriam ouvido e teríamos outro cenário, outra história, mas não adianta, a gente não muda a história.
Na mesma época, acontece na Europa um movimento muito forte, inspirado pela Sociedade Teosófica. E ela queria compreender a espiritualidade além da religião. E muito ancorada em três figuras da aristocracia intelectual européia. Então a Sociedade Teosófica nasce como um reduto para todo mundo de todas as artes, da literatura, da filosofia - não da ciência - que queriam algo que fosse diferente. A Sociedade Teosófica trabalha com o princípio muito cristão de que o messias existia, que os judeus estavam certos de que o messias estava para chegar.
Sabedores de yoga, a Anie Bessant, a Helena Blavatsky, pegaram um menino na Índia, aos 12 anos de idade, que como o Guru Ram Das tinha perdido a mãe, portanto vira um pária, e adotaram esse menino e ensinaram a esse menino tudo. Todas as técnicas esotéricas, místicas. Ele foi retirado da sua família, de seu pai, e foi mandado para a Inglaterra estudar. Ele se formou na Inglaterra nas melhores faculdades e virou um homem - eu não sei se faz sentido para vocês isso – um eduardiano, no início do século XX, super bem vestido, com uma fala bem colocada. Esse moço foi preparado a vida inteira. Gente como Mondrian e outros artistas faziam parte desse clube, era altamente bem frequentado na Europa e nos Estados Unidos, muito dinheiro. A sociedade Teosófica tem prédios maravilhosos mundo afora. Mas dois prédios chamam a atenção, um em Madras e outro na Califórnia.
A Revolução Russa acontecendo de cá e o resto do mundo, fora a América Latina, envolto num movimento de ordem cultural e social, que queria também uma mudança, mas de um cunho espiritualista. O outro tinha um cunho político. Existe um acampamento chamado Ommen, na Europa, que foi preparado para eles apresentarem o messias. De 1919 para frente, logo depois da guerra, começou-se a anunciar que o messias estava pronto. Por 10 anos: o messias está pronto, o messias está pronto, o messias vai falar para vocês em 1929.
Então na manhã de 1929, sobe no palco o Krishnamurti com 31 anos. E está do lado dele a Anie Bessant, que foi a mãe adotiva dele, que pagou todos os seus estudos, foi a mulher que deu amor, foi a mãe que ele conheceu. E era a chefe poderosa, comandante de uma elite intelectual europeia, que o apresenta. A ordem se chamava Ordem da Estrela. Ele é apresentado como messias. E o povo vibrando - imagina se vocês estão diante do messias.
Vocês, por qualquer cartomante ficam caídos, ainda mais o messias. Imagina a intelectualidade e os artistas europeus dizendo que o messias chegou, a gente vai lá ver o messias. Tinha zilhões de pessoas nesse acampamento. Ele sobe no palco, uma figura franzina, magrinha, e fala assim: nós estamos aqui hoje com o propósito de dissolver a Ordem da Estrela. Mas ninguém nem ouviu isso. Aí que ele vem com uma famosa frase. Eu vou começar contando uma história para vocês. "O diabo está caminhando com seu melhor amigo na rua. E esse amigo vê que alguma coisa caiu do bolso de uma pessoa. E então ele fala para o diabo: 'olha, aquele cara ali acabou de perder uma coisa'. E o diabo: ' ah, não é nada não, é uma verdade. E o amigo do diabo: 'ele perdeu uma verdade?' 'É. Perdeu uma verdade.' 'Mas isso é péssimo para ele e péssimo para você'. E o diabo diz: 'Não, não, não, não. Espere até eu deixar que ele organize ela.' O cara perder uma verdade era péssimo para o diabo porque outro alguém vai encontrar a verdade".
Então ela começa assim e dissolve a Ordem da Estrela com um dos discursos mais brilhantes que eu já li de um ser humano. E esse discurso dele – vocês podem imaginar três décadas preparando para aquilo. Uma pessoa que não viu outra coisa na vida. Foi completamente moldado para ser aquilo. E aos trinta e poucos anos, ele se levanta inclusive contra a própria mãe, numa maior solidão possível, diante de milhares de pessoas. Só ele e convicção dele. Qual era a convicção dele? A mesma do Siri Guru Grant Sahib. A verdade é um território sem demarcação. No momento em que nós demarcarmos esse território com a minha verdade, isso macula a experiência da verdade... E aí é um discurso lindo. Quando ele admite isso diante de todos, ele dissolve a ordem e se destitui de ser o messias. Ele morre. Ele literalmente morre. No pior momento possível, quando todas as esperanças eram depositadas nele. Ele morre, só. Perde inclusive a própria mãe. Ele decide, então, que seria um palestrante. Ele morreu aos 92 anos como um palestrante. Eu tive a grande honra de ver o Krishnamurti ainda falando na Inglaterra anos atrás.
Existe um momento na vida da gente que todas as forças materiais caem, sucumbem. E nesses momentos em que há um colapso das forças materiais, sejam elas de ordem concreta, intelectual, política, todas as vezes que a ordem material abala e colapsa, é o momento para o ser humano se assentar exatamente naqueles escombros e manter elevada a força do espírito. É o grande teste nosso. Nós só encarnamos nessa vida para viver isso. Acontece que a gente não gosta de andar por fora da vontade de Deus. A gente quer andar sempre por dentro da vontade de Deus. Foi um tema que a gente explorou demais no curso Mente e Meditação. Quando nós estamos andando dentro da vontade de Deus, todos nós dizemos a frase, Graças a Deus! Mas quando a gente anda por fora da vontade de Deus, que são esses momentos de colapso, de desagregação, de dúvida, de dor. E a dúvida pode ser de uma mãe que manda para a Índia a filha que não estava querendo ir. Mas esses momentos podem ser de qualquer ordem, que seja inserido no contexto da dor humana, de qualquer ordem. Nós nascemos, fomos formados e instruídos a ver esses momentos e falar, "ai que diabo!!" A gente polariza entre "ai, graças a Deus" e "ai, que inferno!" A gente polariza. E quando a gente polariza, se você é bobo o suficiente você vai fazer uma escolha pelo "ai, graças a Deus". E a maioria das pessoas são bobas o suficiente. Elas não têm a instrução que vocês têm.
Nós sabemos que a história da superação nossa depende do espírito elevado e de nós, com espírito elevados, não caminhar só por dentro da vontade de Deus, mas por fora. É aí que eu vejo o teste. É aí o teste da soberania, da maturidade emocional. O quanto nós estamos inteiros para caminhar as agruras. E o quanto a gente amadurece com as agruras. Nós estamos vivendo um momento de absoluto caos, paradoxo vivo em todas as instâncias. É muito importante que a gente mantenha a força de nosso espírito elevada, não para a gente ficar repetindo: "Deus seja louvado". É para a gente manter a nossa visão neutra e a nossa consciência desprendida dos pólos negativo e positivo. Nós precisamos ter uma visão neutra, mas para ter uma visão neutra é muito importante que a gente tenha paciência e tempo. Porque a visão neutra nunca brota num contexto de colapso como a gente está vivendo, no imediato. A gente tem que ter leituras, a gente tem que ter uma capacidade de manter nosso espírito elevado sustentando todos os valores e permitir olhar para essa realidade de modo a compreendê-la.
Eu estou dizendo isso para vocês porque vocês são professores de Kundalini Yoga. As pessoas estão completamente desorientadas. Quem vai buscar vocês para ter aula com vocês, para ter um momento com vocês são pessoas que estão completamente desorientadas. Vocês precisam ser um altar e não uma alternativa. Se vocês se posicionarem como uma alternativa para seus alunos, vocês estão caminhando contra o fluxo da realidade. E fazendo exatamente o que o Krishnamurti dizia. A verdade é um caminho sem demarcação.
Essa aula de hoje foi dada pelo Yogi Bhajan em 1982 e ele dizia que nós iríamos precisar muito dessa aula porque a honra, a soberania e a liberdade da humanidade vai ser maculada em dois anos. E em 1984 a gente teve a operação que bombardeou o Golden Temple e destruiu o Akal Takht, que é esse trono soberano, é uma força, é uma frequência, não é uma pessoa, é uma frequência que se ergue soberanamente para instruir a humanidade de que um ser humano não rende a sua identidade: um ser humano é soberano, um ser humano é livre, um ser humano é autônomo. Destruíram isso. E o pedido dele para nós aquele dia foi: não polarizem, não olhem o caos apenas com seu tempo histórico. O tempo histórico é importante para mantermos os nosso valores éticos vivos e a nossa força de lutar por eles, mas tenham uma mirada também no tempo cósmico. E uma última coisinha que eu quero falar antes de começarmos. Nessa semana eu, Siri Sahib, Sat Kartar estávamos numa reunião com o pessoal de Brasília da Escola Miri Piri – eu não posso deixar de comentar um material clássico de trabalho, maravilhoso – em que uma das pessoas-chave do processo inteiro vive uma crise pessoal. Ela tem um compromisso com um projeto dessa magnitude, que serve a todos, não necessariamente serve a ela, embora nesse caso servisse demais, e por um problema pessoal ela declara que ela não estava pronta. Eu quero trazer isso para vocês e dizer isso para vocês, quando é que nós estamos prontos? Nunca. Se nós formos muito sinceros, nós vamos admitir que estamos morrendo a todo instante. Então, os projetos de ordem ética, os que nós estamos querendo manter mesmo nessa miséria da nossa situação, esses projetos precisam viver independente da gente estar pronto fisicamente, mas eles vão viver através do nosso espírito. E se nós tivermos que morrer mil vezes para que eles existam – esse é um tempo cósmico, não é um tempo histórico –, então que a gente morra e nasça mil vezes para que a gente possa ver neste país, neste planeta, o que a gente anseia.
Mas se vocês se relacionarem com os seus desejos, o seu sonho ético para esse país no tempo histórico seu, você vai ficar ansioso e cometer asneira, porque quando a gente corre contra o tempo a primeira coisa que a gente se torna é um soldado. Quando a gente não corre contra o tempo a gente se torna um estrategista. Nós precisamos ter estratégias. Então ontem depois do impeachment alguém perguntou, o que a gente vai fazer agora. Agora? Tudo. Absolutamente tudo. Nada do que a gente não fazia antes. Vamos continuar fazendo, continuar mantendo o nosso curso, o nosso olhar, o nosso trabalho. Graças a Deus e pelos caminhos dentro e fora da sua vontade que nós pelo menos dessa Sangat já fazemos uma coisa que daqui quinhentos anos vai manter o panorama desse país, que é a nossa escola. Nós desejamos isso e fizemos. Nós não somos protestadores sísmicos, que protestamos só quando a meleca é jogada na nossa cara. E aí a gente fica aguerrido e vai pra rua. "Tchau querida" ou "É golpe". Não, nós não somos protestadores sísmicos. Nós somos seres humanos engajados dia e noite em construir a realidade dos nossos sonhos, pronto, só isso. Nós vamos continuar a fazer o que nós temos de fazer. E provavelmente nós seremos engolfados pela falta de ética e de respeito que se dá na política que está aí. Até que a gente esteja suficientemente sem ar e ter que dizer basta, e a gente ter de mudar. Nós vamos deixar nada, pedra sobre pedra nós não vamos deixar. Nós vamos continuar como nós sempre fomos. A força do espírito é que dá para gente uma condição de a gente não vociferar quando a gente colaba.
Quando tudo desaba, a gente não vocifera, a gente deixa a vociferação, os mugidos, as vaias, os berros para aqueles que não têm outra forma de desintoxicar. Nós temos. A nossa forma de desintoxicação é caminhar por fora da vontade de Deus eventualmente. Não tem forma melhor de desintoxicar do que caminhar contra a nossa aparente zona de conforto. Então eu quero convidar vocês, professores de Kundalini Yoga dessa cidade, para vibrarem além, muito além do que você é como uma pessoa, sendo uma mulher ou sendo um homem. Lembrem do nosso juramento: "Eu não sou uma mulher, eu não sou um homem, eu não sou uma pessoa, eu não sou eu mesmo, eu sou um professor". Porque os miseráveis que vão aparecer na sua porta não vão te apresentar uma carteirinha de identidade política. Eles vão aparecer arrastando atrás de vocês. E vocês têm de servir. Eu sempre me imagino na pior situação, na pior situação quando um Eduardo Cunha me pede para fazer aula de Kundalini Yoga comigo. E eu não poderia negar. Nenhum de vocês poderão negar. Você pode mandar ele comer dez cabeças de alho, duas vezes por dia. Você pode dar uma Sadhana para ver se ele desiste, como o Yogi Bhajan dava para as atrizes de Hollywood para ver se elas desistiam. Ele mandava elas comerem cinco dentes de alho cru por dia, como é que elas iam dar um beijo em Hollywood, então elas não assistiam aula de Kundalini Yoga. Você pode dar uma Sadhana, mas negar, você não pode negar.
Pensem a nossa sala de aula, o nosso Gurdwara tem de ser um lugar para renovar o nosso compromisso com aquilo que é justo, com o que é ideal. Nós não vamos comprometer a nossa ideia de justiça, a nossa ideia de uma sociedade perfeita. Ela talvez ainda tome mil vidas de nós, mas se nós tivermos um olhar histórico para isso, a gente vai sofrer demais. Por isso convido vocês a olhar para o tempo cósmico, os olhos do Guru. E nada faz mais sentido para nós, num tempo em que estamos morrendo como o Krishnamurti morreu, do que a canção dos Khalsas. Domingo vocês entoem aquela canção pensando no seu momento, pensando realmente nesse momento.
Então vamos fazer essa aula para manter o espírito elevado. Essa aula tem efeito, segundo Yogi Bhajan disse, de um ano. É muito poderosa essa aula.
Kriya: “For Keep Up Spirit”, do livro Kriya
Meditação: Essa meditação não é pública, ou seja, ela não está na biblioteca dos ensinamentos do Yogi Bhajan. E a Shanti compartilhou essa meditação quando esteve aqui há uns anos, e mostrou o exemplo dos Sikhs alunos do Guru Gobind Singh que foram presos após a morte do Guru. Eles foram colocados em celas muito pequenas, onde não podiam sequer ficar em pé, em celas de um metro quadrado. Então quando eles estavam nesse confinamento, vocês podem fazer esse paralelo, quando vocês estão numa situação em que se sentem confinados, o Guru tinha ensinado essa meditação para eles, para fazerem a força do espírito se elevar e superarem qualquer temor ou medo, é assim: você aperta os cotovelos, é uma pressão que a gente faz atrás, e não no osso do cotovelo, bem próximo do cotovelo. E nessa posição a gente entoa o mantra Sat Siri Akal. Vamos lá?
Atenção, inspire. Aperte bastante enquanto você repete o mantra mentalmente. Expire mantendo a pressão. Inspire mais uma vez, pressione cada músculo do seu corpo, cerre os molares. Repita o mantra mentalmente. Expire e relaxe. Use a força do seu espírito para projetar uma intenção, uma oração no espaço sagrado que foi tão fortemente criado aqui. Inspire. Expire.
May the long time sun...
[Transcrição: Sada Ram Kaur]