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[GSK] É preciso viajar para encontrar o destino

Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa em 22 de maio de 2020


[GSK abre a aula]


Hoje faremos a sequência da última aula. Na semana passada, vimos que as memórias em trânsito são aquelas que se interpõem à nossa visão da realidade, formando um filtro. Tanto para olharmos para a realidade e encontrarmos mais do que ela oferece, funcionando também como uma forma de aumentar a nossa imaginação – mente positiva –, quanto para imaginar e sentir a realidade muito maior que nós mesmos – mente negativa. Tais memórias em trânsito, quando não são limpas, ficam ali, em suspensão.


Hoje vamos tratar justamente da tendência dessas memórias de ficarem em suspensão. O problema de termos muita memória suspensa é que criamos uma identidade suspensa, totalmente ficcional, e essa identidade pode acabar sendo muito convincente. O problema da identidade suspensa é que, no momento em que ela quebra por algum tipo de confronto, temos uma imensa quantidade de dor e de trauma.


Essa aula é quase como tocar um piano bem delicado; usaremos muito os dedos e o cérebro. Atua no campo do nosso corpo que envolve cérebro, memória, identidade e suspensão da nossa identidade. É uma coisa muito sofisticada e linda, que acredito que só o Kundalini Yoga pode criar.


Com o ego temos dois presentes. Um é o limite. Quando o ego nos coloca limite, o limite nos garante conforto. É uma prisão dentro daqueles limites, uma clausura que nos traz o gosto do conforto e a ausência de liberdade. Com a alma temos também dois presentes. A vastidão para nossa experiência e a ausência completa de conforto e segurança. Assim, quando experimentamos a alma, que dá vastidão imensa para nossa experiência, mas nenhuma garantia de conforto, temos que colocar nossa âncora no desejo pela experiência.


Não podemos desejar a experiência quando estamos contornados pelos muros do ego. É aqui que nasce a identidade suspensa. A aula de hoje é para explorarmos um pouco fora dessas muralhas do ego. Se no ego ganhamos a segurança, mas perdemos a vastidão da experiência, e na alma ganhamos a vastidão da experiência, mas perdemos qualquer tipo de garantia de conforto, alguns escolherão ficar no ego e outros poderão escolher a alma. A escolha é de cada um, não há julgamento. O único detalhe é que, se ficarmos enclausurados no ego, não realizaremos o nosso destino. Viveremos em sina, imaginando que estamos vivendo em destino.


Kriya: Getting Rid of Transit Memories – Parte II, do manual Rebirthing


Essa é uma aula muito sutil, que trabalha uma rede de meridianos e de gânglios linfáticos na parte superior do corpo e atua demais no corpo radiante. É normal essa pressão. No Kundalini Yoga é sempre assim: se pressiona, relaxa... se relaxa, pressiona... se esquenta, esfria... se esfria, esquenta. Um passo equilibra o outro.


[Aluna] Quando recebemos o nome espiritual, de certa forma já recebemos um sinal de qual é o nosso propósito nessa vida. Para conseguirmos estar nele, teremos que conseguir nos libertar do ego e estar na alma?


[GSK] Em alemão a resposta seria nein – sim e não. Sim, a alma terá as respostas. Mas não existe nada nesse plano sem ego. Não tem jeito de ficar sem ego, a menos que queiramos evaporar. Somos constituídos por limites, essa é a condição do ego. No Kundalini Yoga temos um mapa maravilhoso sobre isso. Podemos criar um eixo do ego para a mente ou do ego para a alma. O que queremos é pegar o ego e deixar que ele sirva à alma, não às mentes operacionais. Não há como ficar sem ego, não há como perder a forma, como também não há como perder os limites. Mas há como experimentar o sem forma e o sem limites. Todas as vezes que quisermos experimentar o sem forma, temos que abrir mão de garantias. Aí, a viagem é livre. Todas as vezes que quisermos conforto e segurança, temos que abrir mão da viagem.


Quando queremos realmente descobrir o nosso destino, precisamos viajar. Outro dia, ao abrir a reunião do Khalsa Council, comentei que todos somos paroquianos demais. Paroquiano é aquele que fica contido na paróquia se sentindo seguro. Para que rompamos nosso paroquialismo precisamos de viajantes e precisamos viajar. Isto é, visitar outros enclaves e receber pessoas de outros enclaves. Essa viagem é necessária para que descubramos o destino e, nessa viagem, o que a alma mais gosta é de encontros. Não precisa ser encontros de anjos; pouco importa para a alma, ela não está nem aí para encontros diabólicos. A alma precisa de conexão. Nessas conexões nossa psique vai construindo, na experiência da viagem, o destino. Nelas aprendemos a distinguir a sina do destino.


[Aluna] Quando pensamos nesse exato momento que estamos vivendo, em que tudo é muito incerto, a tendência vai ser querermos ficar no conforto?


[GSK] Depende. Os paroquianos ficam no conforto, abrem mão da viagem. O problema é não querermos nos apresentar ao mundo como paroquianos, mas ao mesmo tempo querermos o conforto, e para isso suspendermos nossa identidade, para parecer que estamos na viagem. Cria-se uma identidade suspensa que está viajando só da boca para fora ou só aqui dentro, em uma experiência forçada e imaginária. É assim que vamos nos distinguindo daquelas pessoas ultraparoquianas. Contudo, é melhor ser um paroquiano convicto do que um viajador suspenso. O paroquiano convicto assume estar pregado no seu conforto, não quer saber de viagem nenhuma. Conversar com essa pessoa é interessante, ela não está negando nada.


[Aluno] Como saber se estamos nessa experiência do suspenso? Quais são os sinais que podemos ter?


[GSK] Todas as vezes que estamos em uma identidade suspensa, usando essas memórias suspensas, evitamos o confronto, que vai desde um kriya a qualquer desconforto aí fora. Quando encontramos a contradição ou o confronto, temos muito medo de sermos revelados. Então, evitamos. Outra maneira de ver essa bolha imaginária é o negacionismo. Estamos vivendo isso, agora, no mundo. No nosso país, de uma forma muito cabal. É um exemplo da identidade suspensa: olhar para a realidade e negar tudo que ela está revelando, criar uma narrativa convincente só para si e ficar muito bem dentro dela.


Já os sinais de que começamos a sair dessa clausura é quando sofremos, quando nos sentimos impotentes diante da realidade, pois não estamos mais naquela zona de contenção. A identidade suspensa nada mais é do que o desconforto. Por isso que, no Kundalini Yoga, dizemos que no dia em que pararmos com a paranoia do “bem estar”, estaremos fora dessa identidade contida. Ao sair do nosso enclave, da nossa contenção, e experimentar a viagem, seja ela qual for, não existe garantia de conforto. Normalmente há um desconforto, um dessabor, uma impotência diante da prepotência. Não tem remédio para isso e nem queremos remediar.


Tenho falado que a grande qualidade do século XXI não é a resiliência, mas o permitir. Quando nos encontramos com uma resistência, perdemos nosso conforto. Se permitimos a resistência, ela se dissolve no campo. O exercício de permitir, nesse grande desconforto, é o que nos conduzirá à sua dissolução. Estamos vivendo no mundo atual o campo fértil do exercício do Sat Nam Rasayan ao vivo.


[Aluna] O fim do desconforto não leva, finalmente, a um conforto?


[GSK] A viagem aí fora não é feita só de desconfortos. Temos momentos de conforto e desconforto. Mas toda vez que fazemos uma viagem não é apenas tudo maravilhoso. Há também o desafio da viagem. Saímos da nossa zona de conforto. Na medida em que permitimos, ali já é o conforto. Há desconforto apenas enquanto resistimos.


[Aluna] Mas, imediatamente, aparece outra resistência.


[GSK] Pois é... Estamos no planeta Terra! É da forma para o sem forma – do sirgun para o nirgun. Não existe resistência, que é a forma, sem o espaço sagrado daquela resistência. Quando encontramos uma resistência, logo que ela se dissolve entramos no campo. Mas é temporário, porque estamos em viagem. De repente, encontramos outra resistência. Aí, teremos que permitir. Enquanto vivermos, até onde formos, haverá resistência e espaço da não forma.


[Aluna] Ou até que entremos em shuniya.


[GSK] Sim, mas entrar em shuniya é uma experiência muito fugaz. Como seres humanos não passaremos nossa vida em shuniya, nem podemos. Se transcendermos a experiência do Sat Nam Rasayan para a vida teremos que experimentar shuniya nas efemeridades – onde entramos naquele nada – até aparecer outra coisa. Mas a experiência importantíssima que nos dá uma sensação de prolongado bem estar é a do Pratyahar.


Tomando o momento atual do Brasil como exemplo, se ficamos presos na miséria, naquela nossa impotência, temos dois recursos. Ou nos recolhemos – é bom também, porque podemos sair de todas as notícias para nos recompor. Não é negativo nos recolhermos na nossa paróquia para respirar, desintoxicar e voltar. Não temos sempre que viajar. Ou, então, escolhemos a não resistência e entramos em Pratyahar.


A experiência de pandemia com esse governo, com a psique de um homem como Bolsonaro, nos oferece uma chance de entrar tão em contato com a nossa impotência, que só nos resta confiar. Quando chegamos num ponto crucial em que não há nada a ser feito, resta apenas entregar e confiar. Essa é a experiência em que confiamos numa inteligência suprema, nesse arranjo cósmico das forças históricas. Isso não quer dizer que temos que ser

passivos. Não existe nada mais ativo que dissolver resistências ou permitir que elas se dissolvam. Isso faz um grande bem para o campo.


May the long time sun shine...


[Transcrição: Devaroop Kaur]

[Edição: Nav Amrita Kaur]

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