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[GSK] A vida dos liquens

por Gurusangat Kaur Khalsa


Pegue os estranhos 4,5 bilhões de anos da história da Terra e os condense em um dia normal dos nossos e você terá a seguinte escala: a vida teve início às quatro da manhã. A-ha! Isto mesmo, no Amrit Vela. Nesta hora, surgem os organismos unicelulares mais simples de todos. Depois, quase que dava para achar que Deus desistira do seu projeto, pois nada, absolutamente nada, aconteceu por 16 horas. Lá pelas oito e meia da noite, tudo que a Terra tinha adquirido era uma legião de micróbios.


Já não era sem tempo quando aparecem as algas e, vinte minutos depois, as primeiras medusas. Às nove e quatro da noite apareceram as trilobitas - que amor! -, seguidas de um cara de nome próprio: Folhelho Burgess. Já ouviu falar? Antes um pouco das dez, as plantas finalmente surgiram no horizonte do solo, seguidas pelas primeiras criaturas. Por volta das dez e meia, a Terra estava coberta de florestas carboníferas, impressionantemente vigorosas, que abrigaram insetos e os famosos dinossauros, que entram em cena quase às onze da noite. Esses mega-calangos não rondam por muito tempo e, às onze e quarenta, já tinham desaparecido do mapa da vida na Terra. Neste momento surgem apressadamente neste espetáculo os mamíferos.


O dia está acabando e você deve estar se perguntando pelos seres humanos. Pois é, faltava apenas um minuto e dezessete segundos para a meia noite quando nós humanos entramos em cena. Ah, que coisa! Como somos uma aparição recente e frágil neste firmamento.


Se você puder imaginar este dia, talvez se dê conta da loucura que foi. Fogo que desce do céu, meteorito que cai abrindo crateras do tamanho da Russia, ventos fustigantes uivando e rompendo rochas, mares que se erguem e desaparecem com ondas lambendo e engolindo terra firme, sopés de montanhas tragados do nada para se abrir, logo no instante seguinte, em picos lancinantes e ardentes de desejos pelo céu. Uma coisa de outro mundo.


Em um ambiente que combinava calor, seca, radiação ultravioleta, água sulfurosas, gases, muitos bichos vinham e partiam, muitos gritos, risos, lamentos, grunhidos, silêncio e ruídos que se confundiam na rotina estranha dessas vinte e quatro horas marcadas pela aparição e extinção com igual peso.


Um fato sabido é que as espécies muito ambiciosas se extinguiam mais rapidamente do que as mais humildes e pacientes. Isso dá o que pensar.


Vejamos a vida de um líquen. Sua vida se resume em existir sem nenhuma outra pretensão e resistir, a todo custo, às intempéries a sua volta. Enquanto a vida para um líquen é um impulso para sobreviver, para nós é uma chance de fazer escolhas. Entretanto, se olharmos o exemplo de vida dos liquens podemos tirar valiosas lições.


Liquens não se incomodam em passar séculos de vida em uma ponta de rocha no ermo do frio ártico. Como tudo que vive, liquens sofrem com as agressões e dificuldades a sua volta, mas eles toleram qualquer insulto apenas para poder manter um momento a mais de sua lenta e consolidada existência. Eles amam viver e querem existir tanto quanto nós. A prova disto é uma engenhosa solução contra sua eminente extinção. De forma bem-pensada, os liquens fizeram amizade íntima com os fungos, e isto garantiu suas mais 20 mil espécies sobre a Terra. Esse relacionamento com os fungos é sem dúvida alguma uma super sacada evolutiva. Sem o fungo, um líquen estaria liquidado.


Para mim, o exemplo do líquen é clássico. Eu quero, como eles, apreciar a vida apenas por ela ter me recebido generosamente em seu seio e ter me mantido viva até agora. Eu gostaria de superar todo meu julgamento e viver protegida pela consciência divina de que eu sou uma maravilha evolutiva, recente e frágil e, portanto, necessitada de me relacionar de modo sincero e autêntico. Eu também gostaria de submeter meu orgulho e prepotência ao fato sagrado de existir pura e simplesmente, porque na minha existência reside a maior de todas as vitória, muito além do que meu intelecto astuto poderia. A vitória maior é o meu legado evolutivo que se resume na experiência que carrego e lego a partir do meu existir, resistir e persistir.


Não se engane, a vida não é para solitários. Os tempos do lobo solitário acabaram!


Wahe Guru, Sat Nam.

Belo Horizonte, 23 de Janeiro de 2014.

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