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[GSK] A escolha pela consciência e a restauração do sagrado

Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa em 1º de fevereiro de 2019


[GSK abre a aula]


Para compreenderem o que vamos trabalhar nesse semestre, vou contar essa historinha para vocês. Nessas férias peguei um livro que eu tinha vontade de ler, de um autor francês que mora em Viena. Ele escreveu um livro que se chama Bússola, que fala sobre o orientalismo. No século XIX, a Europa inteira se voltou para o oriente. Como ele diz, a Europa buscava naquele século se abastardar, para ver se rompia essa normativa da igreja católica, aquele lugar fechado, onde as coisas são vistas de uma mesma maneira. Portanto, a Europa precisou ter filhos com o oriente para ver se mudava alguma coisa. É bastante chato o livro dele, muito difícil de ler. É um pouco uma fofoca do século XIX. Mas tem uma passagem que me chamou a atenção, em que ele fala mais ou menos assim: “A vida é uma sinfonia de Mahler”. Vocês não podem imaginar o que é isso! É a coisa mais chata, um negócio horrível de ser tocado e de ser escutado. É duro de engolir, é mais ou menos o favorito dos nazistas nos anos 30. Esse autor afirma que a vida é igual a uma sinfonia de Mahler: nunca volta atrás e nunca cai para cima. Quando cai, cai para baixo. Essa é a própria definição da finitude, diz ele. E é também a definição da melancolia. É por isso que nós buscamos nos entorpecer. A utilidade do ópio nasce por causa disso, no século XIX, para os europeus.


Diante da miséria a vida é sempre uma sinfonia de Mahler, nunca volta atrás, não se pode corrigir. E ela nunca cai para cima. Parece bom, portanto, entorpecer e esquecer. Um dos abraços que o ocidente deu no oriente foi o ópio – uma forma de esquecer a vida, esquecer os momentos duros. Parece uma boa opção, tem hora, acho. Tem hora que dá vontade de esquecer a vida. Mas nós yogis não fazemos isso, porque operamos no princípio de que é melhor ter consciência do que anestesiar. A minha história com vocês neste semestre é compreender porque não deveríamos nos entorpecer. Podemos ver isso nos artistas. Eles vêm de uma experiência que foi o resultado do século XIX: “quero sofrer bastante, mas também não quero sofrer o suficiente para não ter que morrer, então sofro enquanto crio, depois me entorpeço”.


Nós yogis não queremos isso. Por uma razão muito simples e que parece pouco plausível, pois aparentemente ela dá poucas vantagens se olharmos apenas para a finitude. Se olharmos para a infinitude compreendemos melhor. Não queremos nos entorpecer porque essas dores ou quedas de cabeça para baixo que a vida oferece são momentos em que podemos escolher fazer duas coisas. Se estamos diretamente envolvidos com a situação, ou seja, se somos aquele que está caindo para baixo, é porque ali há uma lição que precisamos aprender, tem uma responsabilidade que é nossa. Se caiu no meu jardim, a mim pertence.


Por isso pensei muito em trabalhar os sete passos da felicidade com vocês, porque começa-se com o primeiro passo, que é justamente tomar a responsabilidade por aquilo que cai no meu território, mesmo que eu não ache que aquilo seja necessariamente meu. Esse é o primeiro aspecto e, se eu me entorpeço ou tento esquecer, aquela queda livre no meu território vai continuar a acontecer até que eu assuma que tem alguma coisa a ver comigo. Não tem jeito, terei que enfrentar aquele negócio. E não é apenas com uso de ópio ou outro tipo de droga. Uma forma que o ser humano tem de se entorpecer é abraçar o arquétipo da vítima. Isso também é uma forma de entorpecimento, de esquecimento. É uma forma ainda de negar o que caiu no seu território. Essa é uma razão para não perdermos a consciência do momento.


A outra, quando não formos aquele que está caído, é assumir uma responsabilidade dhármica de agir, de fazer algo, de levantar a pessoa que está caída. Se você olhar apenas por um perímetro finito, isso parece duro demais, porque ou estou a meu serviço, tentando compreender, ou estou a serviço do outro. Parece duro, mas se olharmos por uma perspectiva infinita, é um grão de areia nesse estado de coisas. Talvez sirva de consolo porque nunca sabemos qual é esse estado de coisas. Na nossa finitude não alcançamos isso. Só tem uma maneira de alcançarmos esse estado de coisas. Conhecer bons mapas, ter uma cartografia do infinito bem-feita, conhecer a origem desses mapas e quem fez essa cartografia. Ela não foi escrita por yogis. Quem escreveu essa cartografia foram os professores. É por isso que é tão importante saber sua origem, e o quão original e fidedigna ela é.


Quando falamos dessa tomada de consciência, nessa perspectiva, resta apenas considerar o último elemento, que é enfrentar a realidade seja ela qual for com os olhos abertos. Temos a tendência de buscar o mágico, porque o sofrimento é muito grande e o mágico é uma forma de restaurar o sagrado rapidamente. Mas o sagrado não se restaura rapidamente, ele não é uma obra de restauração fácil. É uma construção. Nós temos apreço pelo sagrado. O sagrado é uma construção nas estruturas sociais, na natureza, em Brumadinho. A restauração do sagrado é uma obra dura, lenta e toma tempo. Se não tivermos a consciência da importância do sagrado, e dedicação a ele, não o restauramos. Ele não é restaurado apenas porque quero que seja restaurado. Ele tem seu próprio tempo.


Em 1984, o sagrado foi quebrado no Golden Temple, ao ser invadido pelos ingleses, que mataram e bombardearam o Akal Takht. Akal é atemporal e Takht é trono. O trono do atemporal. Não existe uma pessoa no Akal Takht que se assenta no trono do atemporal. Quem se assenta nesse trono é a consciência. No Akal Takht não há nada, apenas uma torre. Os alunos do Yogi Bhajan queriam ir lá para restaurar o sagrado. Ele dizia que não podiam fazer isso, porque ninguém construiu a torre do Akal Takht em pouco tempo e ninguém iria reconstruí-la simplesmente da noite para o dia. É um processo que demorou anos. Essa perspectiva do infinito é muito importante para restaurarmos o sagrado e a consciência. Essa tragédia, esse crime que aconteceu em Brumadinho, vai nos dar muitos elementos para trabalharmos, inclusive porque essa Sangat estará seguramente envolvida na reconstrução desse sagrado.


Kriya: Despertando os dez corpos, do manual Proprietário do Corpo Humano


Meditação: Laya Yoga


Quando o Yogi Bhajan abriu essa meditação para o ocidente, era uma coisa muito revolucionária. Os brahmans acharam isso um grande insulto porque ela é simples demais e é uma chave para abrir o triângulo superior.


Há uma história linda com a meditação Laya Yoga. Laya significa a origem do som. Trabalhamos com os sons mais primais que existem nessa meditação, que são: Ek Ong Kar Sat Nam. Nessa meditação usamos uma corrente de três ciclos e meio. Essa corrente é importante no Kundalini Yoga, porque a famosa subida da energia kundalini se dá em três ciclos e meio. Esse ritmo abre a tomada de consciência através de forças que não são ocultas. A kundalini sobe porque é um prana que sobe, que está na piscina prânica do sacro – a região sacral, na anatomia clássica, é chamada de lugar sagrado. Em momentos difíceis, em que precisamos sair de um desastre ou enfrentar um desastre, esse prana é liberado. Quando não estamos na iminência de um risco, ou da morte, esse prana tem que ser puxado e a maneira de puxá-lo é com frequências de três ciclos e meio. Aí ele é liberado. É muito difícil que ele saia pelo décimo portal antes de morrermos. Fazemos essas meditações para que, quando formos morrer, esse prana seja liberado pelo décimo portal. Ele pode sair por outros lugares, quanto mais o triângulo inferior estiver ativo. Ou seja, quanto mais tempo ficarmos no nosso torpor, mais risco há de que, na hora da morte, o prana saia por ali. À medida que experimentamos essa transcendência, essa tomada de consciência, ativamos o triângulo superior e, naturalmente, por ele já estar ativo, está vibrando em três ciclos e meio.


A pineal vibra em três ciclos e meio sempre, por isso ela puxa. O coração tem uma frequência de um ciclo e meio. E quando o triângulo superior está ativo, a chance do prana sair pelo décimo portal é maior. Essa é uma boa razão para largar o ópio e sofrer. Qual é o problema de sofrer? Claro que eu falo de ópio num sentido figurado. Nesse livro, ópio não está no sentido figurado. No século XIX, na Turquia, as crianças, os velhos, os adultos usavam ópio para não ter fome, ou para ter alívio de um grande sofrimento. Mas qualquer droga que te tire da consciência é um entorpecimento, se for usada para isso.


Nessa época, alguns europeus encontraram o oriente, foram para a Turquia e depois até aquela cidade bonita da Síria... Palmira. A história de Palmira é interessante porque no século XI, havia nela uma mesquita maravilhosa. Imaginem o poder dessas mesquitas! A arquitetura delas é impressionante, porque tem a abóboda, um lugar muito útil para experimentar o sagrado. Puxa a energia para o alto. Nossas igrejas perderam isso, porque as igrejas católicas não conheciam uma arquitetura especial. As góticas começaram a pensar nisso e queriam uma coisa pontiaguda para chegar no céu, mas não é a mesma coisa que uma abóboda. Em Palmira havia um famoso sacerdote, justamente nessa mesquita, que se chamava Omar. Num poema dele, um auto-relato, ele dizia: “Ontem eu fui à mesquita e roubei um tapete. Mais tarde, quando cheguei em casa, me arrependi, o tapete estava furado”. Ele não teria se arrependido de roubar o tapete, mas o arrependimento aconteceu porque o tapete estava furado. Essa história mostra que o sagrado só será restaurado ao se chegar ao final do ciclo. “Ontem fui a mesquita e roubei o tapete, mais tarde me arrependi” não é o final da história. “Ele estava furado” é o final da história. Temos que ter o estômago de chegar ao final da história para compreendermos quando o sagrado foi restaurado ou não. E quando teremos que fazer algo para restaurar o sagrado. E a consciência que precisaremos ter.


[Transcrição: Sada Ram Kaur]

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