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[GSK] A decomposição e a força de transformação do espírito

Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa em 13 de setembro de 2019


[GSK abre a aula]


Vamos entrar fundo no tema de hoje. Tentarei falar de forma bem simples de algo bastante complexo. Talvez faça muito sentido para entendermos esses tempos.


Imaginem uma pessoa que na opinião geral é perfeita – não existe uma pessoa perfeita, mas é aquela que supostamente tem tudo que é preciso para passar por essa vida fazendo sentido. Servindo. Promovendo um espírito humano de altíssima grandeza. Ela não só tem todos os instrumentos para ser assim como também se projeta como tal. E, de repente, sem que possa haver qualquer explicação, essa pessoa imaginária entra em processo de decomposição.


Vocês conhecem isso? Pode ser vocês, inclusive. Normalmente isso acontece conosco muitas vezes. Estou trazendo a figura de uma pessoa porque fica muito mais fácil de imaginar. Temos um olhar melhor para ver alguém de fora do que nós mesmos.


Todas as vezes que aparentemente temos tudo para ser uma referência espiritual, material ou filosófica, ou um professor, nós entramos em processo de decomposição. Isso é uma lei da física, uma tal segunda lei da termodinâmica. Se tomarmos um sistema e deixarmos ele em si e por si, ele caminhará da organização para o caos. Ele entrará em entropia. No ser humano, esse sistema que o mantém na radiância ou na dor sem sucumbir, ou seja, que mantém a estrutura se reorganizando e não decaindo, é a alma. É o que chamamos de espaço sagrado. É uma conexão com algo maior.


Claro que não está garantido que não teremos problema, confronto ou conflito, nada disso. Quando entra em cena um outro elemento muito forte chamado ego desconectamos desse sistema que, na termodinâmica, tem muito mais poder, tem uma projeção muito maior. No caso do planeta Terra esse sistema é o sol. No nosso caso individual, quando saímos da esfera do espaço sagrado, entra em cena a força do ego. E quando isso acontece entramos em decomposição. Começamos o nosso decaimento.


Esse tema que trouxe para o particular se aplica a uma lei da estrutura do universo. Aplica-se a tudo, inclusive à psique das pessoas. Quando pensamos no mundo como um todo, vemos que estamos vivendo uma transição em que, do ponto de vista da psique humana, estão em cheque os valores mais nobres da humanidade – uma humanidade que deve ser elevada, próspera, cheia de luz, una com tudo, em sintonia completa com a fonte que cria, que não se vê diferente de uma outra entidade só porque essa outra entidade não é necessariamente humana.


Agora é o momento crucial para a evolução humana. É o momento de questionarmos quem rege a nossa integração com a força maior. Estamos sendo regidos por uma estrutura de ego ou estamos sendo regidos por uma estrutura divina, uma estrutura de alma? Essa é a pergunta quando o planeta passa por uma transição dessas.


Estamos saindo de Kali Yuga. O período da Kali Yuga foi crucial para o ser humano porque muita coisa se desenvolveu e muita coisa se perdeu. Na saída desse tempo difícil que estamos vivendo, um dos remanescentes mais vigorosos que permanecem tentando reter o processo de degeneração da experiência humana é o mesmo que vale para o nosso ego em nós. Chama-se intriga mental. É a mesma estrutura.


Quando somos entregues a uma estrutura ilusória e de intriga haverá um decaimento. Em épocas como essas, as pessoas que querem manter o sistema afastado da natureza transformadora dos próprios tempos, viverão momentos agonizantes, como é conhecido para a medicina. A pessoa está morrendo e levanta um dia antes da morte com um vigor que faz crer que ela vai viver. O defunto levanta da cama. Mas existe uma morte em curso. Essa é a morte de vários apegos que o ego criou, tanto em nós mesmos, quanto na estrutura social.


Essa morte em curso parece que não vai acontecer somente para que uma transformação realmente se dê aos nossos olhos – porque o tempo que isso requer é maior e porque o nível de intriga mental dos defuntos que se levantam é grande demais. Gostaria que fizessem essa associação não apenas para fora, mas para dentro. Existe um grau de presença simples que é necessário, racional. Uma presença que contempla as coisas a partir de uma perspectiva desse campo, da estrutura da alma.


É muito fácil usar esse argumento em nome da religião e abusar das pessoas em nome da religião. Parece um lugar onde a religião vai, mas não é um lugar da religião, necessariamente. É um lugar do espírito. Não é o lugar da organização do espírito. Na hora que se coloca paredes e normas para a organização do espírito temos uma instituição como outra qualquer, que passa pelos mesmos atributos e karmas que carregamos como indivíduos.


Essa é uma aula do espírito e não necessariamente da religião. Ela foi dada nos anos 80, quando Yogi Bhajan vivia uma coisa bastante parecida, que era uma vontade do puritanismo selvagem americano tomar conta das forças que nos anos 60 foram as forças que libertaram. Algo que hoje chamamos de puritanismo safado tentou tomar campo nos anos 80. Eu era viva e muito jovem, mas não tive tempo de viver os anos 80, porque eu só estudava. Quem viveu realmente esses tempos o apelidou de “os loucos anos 80”. Tivemos os nossos loucos anos 20 nos anos 80. O mesmo está em voga agora.


Yogi Bhajan deu essa aula dizendo que precisamos passar por tempos assim, em que há uma disputa do campo espiritual pelo puritanismo safado. Precisamos existir em tempos assim sendo realmente uma luz que vai carregar em si o “não me confundo”. Nosso sistema nervoso está abalado de passar por tudo isso, mas existem valores que são para nós os valores do espírito e não os valores de um legado institucional. Não são valores morais afeitos a um tempo, a paredes, a um espaço. São valores do espírito. Essa aula tem tudo a ver conosco nos tempos de hoje.


Quem fazia aula com ele naquela época tinha 19 anos e hoje tem 70. Embora estejamos sempre evoluindo, a história tem um “quê” de cíclica, porque se move em espiral. Estamos vivendo uma reminiscência do fim de uns tempos e início de outros. Os valores que carregamos são os valores do espírito. Não dá para embarcar em intriga mental. Não podemos perder a nossa energia com isso. Tem hora que precisamos dizer: “Chega!”


Kriya: Construindo o seu Sistema Nervoso, do Manual Para Juventude e Alegria


Meditação com Jaap Sahib


A tradução do Jaap Sahib da época em que os ingleses tomaram Amritsar é sempre muito religiosa e tem uma pegada muito maniqueísta. É difícil traduzir o Jaap Sahib, porque ele foi escrito em hudu, uma língua persa. Minha mãe na Índia estudava hudu. Eu perguntava se ela iria passar o resto dos seus anos estudando e ela dizia que essa era a única maneira dela entender o Guru Gobind Singh. Se uma indiana que domina a língua precisa estudar hudu para compreender o Jaap Sahib...


A essência do Jaap Sahib invoca todos os elementos da criação desde o momento em que houve a explosão e começou a formação do universo, e todos os Yugas que atravessamos. Em cada um desses Yugas, todas as manifestações, tanto da forma quanto do sem forma. Tanto da inteligência quanto dos recursos para aquela inteligência sobreviver. O Guru Gobind Singh dizia que se não sabemos entoar o Jaap Sahib podemos ler, mas que se entramos em meditação com o Jaap Sahib em Sunié isso gera um efeito muito profundo de nos lembrar que não somos de agora.


Ele dá essa atemporalidade à inteligência, à forma. Afirma essa idéia de que estamos por aí há muito tempo. É um processo de cristalização. Quando estamos na forma esquecemos. E no esquecimento, sofremos. O Jaap Sahib traz algo assim: não tomem a realidade temporal da forma como a última realidade. Não tomem isso para si, senão não darão conta nem mesmo de ter esperança em seus filhos.


O Guru Gobind Singh tinha 19 anos quando compôs o Jaap Sahib. Foi um momento muito crucial de sua vida. Em meditação, ele teve uma visão do que aconteceria com seus filhos: todos morreriam. Ele estava casado, mas tinha apenas os dois filhos mais velhos nessa época. Sua mulher era apaixonada por ele e ele era apaixonado pela mulher. Cantava o nome dela o dia inteiro. Os dois tiveram essa visão do que seria a vida dos filhos.


Guru Gobind Singh teve um menino de 7 e um de 8 que morreram emparedados, enquanto os mais velhos morreram em campo de batalha. É uma dor profunda prever isso. Nesse momento a mulher lhe pediu permissão para morrer. Sua famosa resposta foi: “Nós mesmos podemos nos dar permissão para viver ou para morrer. Você não precisa pedir minha permissão.” Ele continuou em meditação e ela não pôde encarar aquela realidade.


O Guru Gobind Singh se casou de novo e teve os outros dois filhos. O Jaap Sahib é a composição que lembra a ele mesmo de não se apegar a essa realidade de agora somente, pois tudo vem de muito antes. Há bastante coisa além disso.


É muito bonito isso, principalmente para pais. Se olharem para o mundo sem essa perspectiva podem pensar: “Como poderei deixar os meus filhos nesse mundo?” Mas isso não pode motivar a nossa vida. Não digo neste caso que seja uma esperança – pode ser muito difícil ter esperança em alguns momentos. Mas é um Vichar, algo além da esperança. É a concepção de que isso não é tudo. Que existe muito mais do que podemos imaginar.


"May the long time sun shine upon you..."


[Transcrição: Tarkash Kaur]

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