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DHARMA QUEER

Horando a diversidade

Pintura por Shabad Gian Singh

NÃO HÁ ESPAÇO PARA HOMOFOBIA NOS ENSINAMENTOS SIKHS

por Sukhdeep Singh

Originalmente publicado em Gaylaxy Magazine, 4 de fevereiro de 2016

 

 

Em 26 de janeiro de 2016, a primeira banda trans da Índia lançou sua segunda canção com o músico Sonu Nigam. A música, intitulada "Sab Rab De Bande", deriva de um shabad (hino) bem conhecido do Siri Guru Granth Sahib, que é reverenciado como o Guru atual da comunidade sikh. Escrito pelo santo Kabir, o poema foi incluído no Siri Guru Granth e representa a grande importância dada pelos Gurus Sikhs a um único fato: todos os seres humanos são iguais e são criação de Deus.

 

Embora a canção da banda utilize apenas dois versos do shabad, vale a pena reproduzi-lo na íntegra:

 

Awwal Allah noor upaya qudrat keh sub banday

aik noor teh sub jag upajiya kaun bhale ko mandhe

Logaa bharam na bhoolahu maahi

khaliq khalq khalaq meh khaaliq poor rahio sarab tha'ee

Maati aik anaik bhaanth ker saaji sajan haray

na kash poch maati kay bhanday na kash poch kunbharay

Sub meh sacha aiko soee dis ka keya sub kuch hoyi

hukm pachanay saee ko janay banda kahiyeah soee

Allah alkh na jaee lakhiya gur gur dheena meetha

kahay Kabir mair sanka naase sarab Niranjan

 

Deus criou a luz originária de todos os seres

Dessa luz, criou o universo; então o que é bom e o que é ruim?

A criação está no Criador e o Criador está na criação.

A argila é a mesma, mas o artista a modelou em formas variadas.

Não há nada de errado com o vaso de argila nem com o oleiro.  

O verdadeiro e único Guia está em tudo, tudo se faz por ação dele.

Conhece o Guia quem compreende seu comando;

Só quem o compreende é guiado pelo Guia.

O Senhor Alá é invisível; Ele não pode ser visto;

O Guru me abençoou com o mais doce néctar, diz Kabir,

tirou minha ansiedade e meu medo;

eu vejo o Guia Imaculado presente em tudo.

 

Entretanto, enquanto a comunidade trans indiana, marginalizada, buscava aceitação usando um shabad e a mensagem de igualdade do Siri Guru Granth, os guardiões da fé – os dharam ke thekedars – estavam a postos para enfraquecer o núcleo da mensagem sikh e seu princípio mais essencial: igualdade e inclusão.

 

Grandes jornais da Índia noticiaram a decisão do Comitê Shiromani Gurdwara Parbandhak (SGPC) de não honrar a presença de Kathleen Wynne, premier do Estado de Ontário, Canadá, durante sua visita ao Golden Temple, por ela apoiar o casamento igualitário. Wynne também é lésbica. O presidente do SGPC, Avtar Singh Makkar, teria ainda dito que "oferecer a ela uma saropa seria contra a ética sikh". (A saropa é um tecido, lenço ou vestimenta oferecido para honrar a presença de alguém.)

 

Vale lembrar que a decisão do SGPC não tem nenhuma base teológica. Esperávamos que o Comitê, ao tomar uma decisão que afeta milhões de sikhs LGBT, se baseasse nos ensinamentos dos Gurus ou nos hinos e orações compostos por eles. No entanto, infelizmente, o preconceito e a homofobia dos membros do Comitê são instituídos como "ética sikh".

 

A primeira oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo dentro da religião sikh aconteceu em 2005 quando Joginder Singh Vedanti, ministro-chefe, ou jathedar, do Akal Takht (uma das “sedes” da religião sikh), ordenou que os sikhs canadenses se opusessem ao “casamento gay”. O anúncio do jathedar em 2005 sequer compreende o que é a homossexualidade, definida por ele como uma "tendência anti-humana".

 

Além de fazer mal uso do cargo para expressar sua homofobia, o jathedar e o SGPC sequer deram explicações teológicas de seus decretos e pronunciamentos. A afirmação repetida repetida inúmeras vezes, de que "a religião sikh não aceita o casamento entre pessoas do mesmo sexo", jamais se sustentaria se eles buscassem conectá-la aos ensinamentos dos Gurus. Nesse sentido, gostaria de rever três linhas do shabad de Kabir:

 

Maat aik bhaanth ker saaji sajan haray

na kash poch maati kay bhanday na kash poch kunbharay

 

A argila é a mesma, mas o artista a modelou em formas variadas.

Não há nada de errado com o vaso de argila nem com o oleiro.  

 

Esses versos são, sobretudo, a celebração da diversidade na natureza. Essas linhas afirmam que diferentes pessoas têm diferentes características, e que não há nada de errado com as pessoas nem com a Força que as criou. A Força Criadora está em todos. Essas características, entre outras coisas, incluiriam a sexualidade. Entretanto, os alto-sacerdotes da religião sikh estão tão cegos para sua própria homofobia que não conseguem enxergar como os ensinamentos sikhs acolhem a diversidade e recusam a discriminação entre as pessoas. Há inúmeros hinos, shabads e banis que promovem a mensagem de irmandade universal e de igualdade humana.

 

Outra grande virtude dos ensinamentos sikhs é a ênfase na autoaceitação. A filosofia sikh também estimula seus adeptos a aceitarem seu próprio ser da maneira como foi criado. É essa filosofia que nos aconselha a não cortar nossos cabelos ou pelos nem modificar o ser que nos foi dado na criação. A aceitação da própria sexualidade, a qual é inata (devo dizer, dada pelo Infinito), é também essencial aos ensinamentos que os sikhs propagam. Quando os líderes do SGPC publicam uma declaração condenando a homossexualidade, eles estão basicamente pedindo aos sikhs LGBT que não aceitem a forma como o Infinito os criou, e qualquer tentativa de "modificarem sua sexualidade" seria contrária à vontade do Criador.

 

O dirigente do SGPC disse que oferecer uma saropa para Wynne seria contra "a ética sikh". Qual ética sikh em particular teria sido violada? Negaram uma saropa a Wynne por ela ser lésbica ou devido seu apoio ao casamento entre pessoas de mesmo sexo?

 

Na ausência de qualquer clareza, devemos pensar em como essa decisão vai contra o ethos da religião sikh. Se o Comitê negou honrar Wynne porque ela não esconde sua orientação sexual, a decisão dos líderes foi das mais vergonhosas. Durante toda a vida e em todos seus ensinamentos, os Gurus Sikhs ensinaram a tratar o próximo como igual. Numa época em que a discriminação baseada em casta, gênero e religião estava no auge, a religião sikh ensinou o conceito de langar (refeição gratuita e compartilhada), a fim de sustentar o princípio de igualdade entre todas as pessoas do mundo, independentemente de religião, casta, cor de pele, idade, gênero e condição social. Se a decisão de não presentear Wynne com a saropa foi baseada na sexualidade dela, o Comitê a discriminou, e a discriminação é algo que fere claramente os ensinamentos sikhs.

 

Mesmo que por um minuto eles pensem que a sexualidade de Wynne é contra os ensinamentos, vale perguntar se o SGPC nunca ofereceu saropas a quem bebe álcool, fuma ou corta o cabelo – afinal, são coisas que os ensinamentos claramente desaconselham. Muitos líderes mundiais e personalidades de destaque foram homenageados com saropas no Golden Temple. Se a ética sikh não foi violada nesses casos, por que teria sido agora?

 

Outra explicação para negar uma saropa a Wynne seria a oposição do Akal Takht  ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Wynne é uma forte apoiadora do casamento igualitário no Canadá. É irônico, contudo, que o SGPC ou o Akal Takht se oponham ao casamento igualitário, já que os ensinamentos sikhs sugerem uma gristi jiwan (isto é, uma vida matrimonial), diferentemente de outras religiões que dão à vida celibatária um status elevado. A cerimônia de casamento sikh, chamada Anand Karaj, significa "acontecimento abençoado", e o casamento é considerado uma união entre duas almas. Nos ensinamentos sikhs a alma não tem gênero, e o lavan (hinos) cantados no casamento falam sobre o compromisso com a Força Criadora, que também não tem gênero. É desconcertante, portanto, que o SGPC se oponha ao gristi jiwan de casais homossexuais.

 

Os três principais pilares dos ensinamentos sikhs são Naam Japo, Vand Chhako, Kirat Karo (meditar, compartilhar ganhos, ter uma vida honesta). A religião sikh também considera muito importante a seva, ou serviço altruísta. É a religião que sempre defendeu os direitos dos perseguidos e das minorias. A única cujo livro sagrado, o Siri Guru Granth Sahib, incorpora ensinamentos de santos de outras religiões. Guru Teg Bahadur, o nono Guru, se sacrificou para proteger uma minoria perseguida.

 

Hoje em dia, no entanto, vemos um forte contraste a tudo que constitui o próprio coração dessa religião jovem e bela: as pessoas que deveriam ser um exemplo dos ensinamentos estão se voltando contra outro grupo perseguido, contra outra minoria. Precisamos lembrá-las de que os ensinamentos sikhs não toleram a homofobia, por isso os líderes da religião sikh precisam parar de transmitir seus próprios preconceitos como se fossem fundamentos da ética sikh. O verdadeiro sikh é um aprendiz – talvez seja o momento de eles começarem a aprender alguma coisa sobre minorias sexuais.

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